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LUANDA
A transição do modelo socializante de economia centralizada que o sistema de partido único tentou edificar até finais da década de oitenta, para uma economia aberta de mercado, resguardada por um projecto democrático multipartidário - tem estado a ser extremamente dolorosa e acompanhada por uma crise de valores sem precedentes, cuja tendência parece ser a sua cristalização. De uma coisa estamos certos, nada voltará a ser como dantes.
À falta de uma melhor definição, é, de acordo com alguns analistas, de capitalismo selvagem, com o estado-previdência transformado agora no estado-patrão, que se trata, com todas as consequências sociais extremamente negativas daí resultantes, cujo impacto é facilmente visível no tecido humano, a inspirar sérios cuidados. Como mobilizar a opinião pública, tendo como pano de fundo estas e outras referências não é certamente uma tarefa fácil para a comunicação social cujo principal compromisso é, antes de mais, com a verdade dos factos relevantes que vão acontecendo num país chamado Angola. Pela sua essência o jornalismo sempre foi a primeira frente de choque contra todos os tipos de violência e violações, pelo simples facto que tais comportamentos são acontecimentos difíceis de ignorar, por quem queira pautar a sua conduta profissional por algum rigor e isenção e objectividade. E aqui, por favor, não nos venham com a famosa conversa das linhas editoriais, porque aqui o problema é acima de tudo constitucional, pelo que todas as restantes linhas devem obediência às fortes linhas da nossa constituição que tem de ser respeitada por todos. Longe das unanimidades e das subserviências que já fizeram história entre nós, em democracia o relacionamento entre o poder político e os médias (que acabam por representar um outro poder) é invariavelmente conflituoso, faz parte do sistema, é estrutural. Aliás, é assim mesmo que o sistema democrático funciona e funciona mais ou menos bem com todos os defeitos que se lhe conhecem. Não temos qualquer dúvida em afirmar que o grande problema que o jornalismo enfrenta em todo o mundo, sem excepção, é a sua afirmação como um poder independente ao serviço da sociedade e do interesse público, que em democracia são as duas principais fontes de legitimação do poder que se renova periodicamente pelo mecanismo sufrágio universal. Tida para muitos como uma utopia, a afirmação da independência do jornalismo é, na nossa modesta apreciação, a essência da actividade jornalística de referência, que se deve manter como uma orientação permanente de todos quantos trabalham no sector, não obstante todas as dificuldades e bloqueios conjunturais. (Fim) Reginaldo Silva
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É curioso notar que hoje de uma forma geral os políticos deste país, com destaque para aqueles que estão ligados ao poder, não gostam muito que se fale da corrupção, embora ainda não assumam esta recusa de forma mais sistemática e aberta.
Depois de ao mais alto nível já se ter reconhecido que a corrupção era o segundo mal que afectava o país, logo a seguir à guerra, as referências que hoje são feitas à corrupção em Angola são normalmente entendidas como ataques directos ou indirectos ao poder instituído. Mais do que isso, a reacção a este tipo de informação tem sido nos últimos tempos o permanente recurso à via judicial, que como é evidente não se pode contestar, já que se trata de um direito de qualquer cidadão, quando eventualmente se sente lesado nos seus interesses ou na sua honra. Isto não nos impede, entretanto, de ver neste tipo de reacção uma grande crispação e nervosismo da parte de quem opta pelo processo judicial, ciente de que tem a causa ganha à partida já que os tribunais funcionam com provas materiais e não com fontes. A multiplicação destes casos na imprensa, não é certamente produto apenas de delírios jornalísticos. Há de facto bastante fogo a justificar toda a fumarada que por aí se pode ver, ler e ouvir em torno da corrupção que se generaliza entre nós como um modo de estar sobretudo enquanto se é servidor público a um certo alto nível e com determinada responsabilidade. Contrastando com a permissividade local, onde a condescendência para com o fenómeno parece ser a estranha nota dominante, com o já clássico argumento, segundo o qual a corrupção não é angolana, o actual contexto internacional é de forte pressão (embora nem sempre muito coerente) contra os países que ainda não conseguiram estabelecer uma boa governação, o que tem como consequência a existência de preocupantes sintomas, sendo sem dúvida o mais preocupante, a corrupção, pelos enormes prejuízos que acarreta ao erário público. É hoje ponto assente que a corrupção pode traduzir-se em volumosos lucros particulares à custa da má gestão que se faz dos dinheiros públicos, que são transferidos para contas bancárias no exterior em detrimento das necessidades internas dos países onde o fenómeno é cartaz de espectáculo permanente e deprimente. Como já dissémos, apesar da forte pressão internacional existente destinada a convencer os regimes políticos no poder que a boa governação é uma das chaves para solução de todos os problemas ligados ao desenvolvimento, o que é facto é que a nível nacional a tendência dos executivos ainda não aponta exactamente nessa direcção e quando para lá se encaminha fica-se com a impressão que um tal compromisso é apenas para inglês ver. A sociedade acaba depois por ter na imprensa o seu principal canal por onde faz chegar a suas preocupações ao Governo, através de mensagens que são bastante críticas e desconfiadas sobretudo no respeitante ao desempenho do executivo e a idoneidade dos seus titulares. A existência de uma imprensa atenta e actuante é no caso de Angola a única tímida garantia que a sociedade no seu conjunto tem para acompanhar a evolução do fenómeno e pronunciar-se sobre ele sempre que julgar oportuna a sua intervenção. Facilmente chegamos a conclusão que em países como Angola a comunicação social tem um papel de grande relevo, sendo muitas vezes o único travão que as pessoas envolvidas em actos de corrupção receiam efectivamente. Em Angola a comunicação social e os jornalistas estão cada vez mais no centro de um cruzamento onde circulam vários e contraditórios interesses; onde o cidadão comum tem cada vez mais dificuldades em entender a lógica e o altruísmo do discurso oficial; onde o Estado que em princípio é uma pessoa abstracta de bem, se confunde muitas vezes com os interesses particulares deste ou daquele servidor público; onde os problemas da transparência, da boa governação e da corrupção institucionalizada já são frontalmente assumidos pelo próprio executivo, ao seu mais alto nível de decisão política. Segundo outras avaliações mais radicais, o quadro é muito mais cinzento, numa alusão implícita à problemática da distribuição do rendimento nacional pelo conjunto das classes sociais que integram o universo angolano. Reginaldo Silva A corrupção tem hierarquias e estabelece uma relação de causa/efeito com os vários degraus do poder político e da administração pública, por isso hoje percebemos melhor com base em tudo quanto se observa em Angola e no resto do mundo, que como disse Lord Acton “se o poder tende a corromper, o poder absoluto corrompe absolutamente".
Na avaliação de Lord Acton a autoridade política, nas sociedades humanas, em função apenas e tão-somente da sua existência tende a danificar as relações entre seres inicialmente dotados de igualdade. Angola é já um caso de estudo que dá bastante substância a este estranho primado da política como fonte de um poder que se tem estado a distanciar cada vez mais da ética, embora mantenha as aparências e alguma iniciativa mesmo ao nível da moralização, da transparência e da própria fiscalização. Felizmente que já temos entre nós na Universidade Católica de Angola um compêndio sobre a Introdução da Ética no Sector Público da autoria conjunta do norueguês Inge Amundsen e do angolano Justino Pinto de Andrade, onde é possível ter uma ideia do que é a corrupção política e do que ela representa para depois não fazermos confusão com as formas consideradas mais burocráticas e menos lesivas deste fenómeno gangrenoso. De acordo com o citado compêndio a “corrupção política é qualquer transacção entre os actores do sector privado e do sector público através da qual os bens colectivos são ilegitimamente convertidos em recompensas privadas. Esta definição, no entanto, não distingue claramente entre corrupção política e corrupção burocrática. Estabelece o necessário envolvimento do estado e dos agentes estatais na corrupção, sem qualquer noção acerca do nível de autoridade na qual a corrupção acontece. Numa definição mais estrita, a corrupção política envolve decisores políticos. A grande corrupção, ou corrupção política, acontece nos mais altos níveis do sistema político. Acontece quando os políticos e agentes estatais, que estão mandatados para criar e a aplicar leis em nome do povo, são eles próprios corruptos. A corrupção política existe quando os decisores políticos utilizam o poder político do qual dispõem, para sustentar o seu poder, status e riqueza. Deste modo, a corrupção política pode ser distinguida da corrupção burocrática ou de baixo nível, que consiste na corrupção na administração pública, na extremidade ligada à implementação das políticas”. O compêndio que estamos a citar é verdadeiramente assustador na identificação das motivações e do “modus operandi” dos seus agentes. Esta corrupção tem propósitos ao nível do enriquecimento pessoal da elite política dirigente e da manutenção do poder a qualquer preço e com a utilização de todos os meios possíveis e imaginários. Num país onde este tipo de corrupção se instala pode-se dizer que nunca se sabe às quantas andamos, pois até as decisões aparentemente mais pacíficas podem ter consequências complicadíssimas para além dos desvios que depois se podem verificar no aumento do património pessoal. Diante de muralhas como estas, de facto os jornalistas farão muito pouco se continuarem a perder tempo com as tais histórias da carochinha, ao ponto de já termos ouvido de algumas vozes conhecedoras dos grandes dossiers nacionais matéria piadas recorrentes como vocês andam mesmo a ver lulas ou no mínimo andam muito distraídos. É verdade. Não temos qualquer dúvidas em admitir que em termos de importância é quase residual a informação que hoje gerida ao nível da imprensa e que tem trazido para o domínio público histórias de corrupção que não sejam apenas da carochinha. PS: Pode descarregar o conteúdo do Compêndio da UCAN em:http://www.cmi.no/publications/file/3311-introduction-to-public-sector-ethics.pdf Reginaldo Silva É por esta drenagem feita a partir do OGE, que também se consegue perceber que actualmente e de acordo com a própria ANIP, uma percentagem crescente e significativa do investimento privado fora do sector petrolífero, já esteja localizada em solo nacional, já seja assumida por angolanos genuínos.
Lembro-me de em finais do ano de 2003 ter feito um patético apelo bem revelador das minhas preocupações como cidadão e jornalista nesta matéria e que de lá para cá tenho repetido e reiterado sempre que a oportunidade surja. Na altura escrevi algures, como resultado de uma conversa mantida com os meus botões, cheguei a conclusão que para engalanar os meus votos de ano novo próspero num país chamado Angola, com uma longa e contumaz tradição de má gestão da coisa pública, com todo o seu cortejo de grandes e pequenos desvios de fundos dos vários OGEs existentes, para conhecidos mas não comprovados bolsos, o melhor seria fazer um apelo sincero à contenção. Apenas isto. Nada de grandes exigências. Sincero e realista. Modéstia à parte, mas somos já conhecedores profundos da movediça realidade nacional, das suas limitações e sobretudo do feitio mal-humorado e por vezes violento dos seus protagonistas, alguns dos quais optaram claramente há já bastante tempo pela teoria dos dois discursos. Uma teoria que tem no terreno da política o seu principal campo de ensaio, com resultados muito animadores para os seus adeptos. O resto faz-se na comunicação social e com a repetição até à exaustão de alguns chavões do discurso oficial. O apelo lançado nos últimos dias de 2003 teve como principais e únicos destinatários todos aqueles que têm a responsabilidade de gerir o erário público, aos vários níveis, do topo à base, dos vários OGEs e de todos os sacos azuis, vermelhos, verdes e pretos que integram o arco-íris da nossa desgraçada existência. “Que em 2004 se roube menos!” foi, preto no branco, o conteúdo do apelo sincero que subscrevi, convencido que uma tal economia de recursos se apresenta com um potencial de soluções muito grande, na luta contra a escandalosa pobreza que humilha, desespera e faz sofrer tremendamente muito mais de metade da nossa população, numa altura em que assistimos a uma briga de estatísticas entre o IBEP e o CEIC, sobre o nível efectivo da pobreza em Angola. Um tema da maior importância que seria de imediato e noutras latitudes matéria mais do que suficiente para vários debates públicos promovidos pela comunicação social. Aqui é o que se vê… Como é evidente, tais considerações feitas há mais de sete anos mantêm no essencial, lamentavelmente, a sua preocupante robustez física, depois da tolerância zero ter já caído no esquecimento de mais uma partida em falso, como ficou bem patente no famoso discurso feito por JES em Março último. Dizia que apesar de muito estar a fazer, a média só parcialmente tem contribuído com a necessária profundidade para que a cruzada contra a corrupção atinja os seus objectivos. Constata-se que grande parte dos espaços mediáticos dedicados ao tema é preenchido com as chamadas histórias da carochinha, enquanto ainda vemos jornalistas preocupados com o facto dos vendedores ambulantes não pagarem impostos e fazerem disso matérias de capa, num país onde a evasão fiscal é brutal e se estima em largos milhões com os mais ricos a não pagarem um tostão do que devem pelos rendimentos que deviam declarar ao fisco e nunca o fizeram. De facto sobre a corrupção, seus anexos, arredores e periféricos vamos continuar a ter histórias da carochinha na imprensa enquanto não nos concentrarmos no que é fundamental. (cont) Reginaldo Silva O ante-projecto do Código Penal que finalmente foi submetido à consulta pública tem tipificados vários crimes de corrupção num total de oito, incluídos em dois capítulos, a saber, o dos crimes cometidos no exercício de funções públicas e em prejuízo de funções públicas e no dos crimes contra o consumidor e o mercado.
Nenhum dos oito crimes referidos aborda o que é fundamental nesta matéria, num país com a história de Angola, onde de facto a corrupção mais preocupante no que toca aos seus impactos negativos/desastrosos sobre o conjunto da economia e a sociedade é aquela que resulta do exercício directo do poder ou a coberto deste. Quando ao mais alto nível do sistema já se admite e cinicamente se lamenta, a existência de uma grande promiscuidade entre os negócios públicos e privados, está tudo dito neste domínio que explica a jusante a parte mais importante do fenómeno corrupção em Angola, que é de facto a corrupção institucionalizada. Trata-se de um fenómeno que já não é possível ignorar pois está à vista de todos a fazer lembrar-nos, contudo e uma vez mais, a história do “Rei vai nú”. Toda a gente vê o rei sem vestes, incluindo o próprio, mas todos receiam, incluindo o próprio, dizer/admitir a verdade, até que surge uma criança e grita o que é evidente, que o soberano está com tudo o que de mais intimo a natureza lhe deu, à mostra, completamente ao léu. Esta referência conduz-nos directamente ao papel que a comunicação social/jornalistas deviam assumir nesta cruzada que é do maior interesse público e que levou a AJPD a trazer novamente o assunto a um debate que muito dificilmente, para além de algumas notícias superficiais, será capaz de mobilizar a média estatal para outros voos mais profundos/abrangentes. Ingénuos como também às vezes gostamos de ser, para descansarmos um bocado do nosso pessimismo crónico, voltamos a acreditar recentemente na possibilidade de todos, em sincero exercício de reflexão nacional, admitirmos a nudez do rei, quando em Novembro de 2009 começamos a ouvir a falar de tolerância zero, que mesmo assim já não era bem, era apenas uma espécie. Penso, apontou na altura JES nas suas vestes de líder do MPLA, “que devíamos assumir uma atitude crítica e auto-crítica em relação à condução da aplicação da política do Partido neste domínio. A transparência dos actos de gestão e a boa governação são uma frente em que ainda há muito trabalho a fazer”. Com esta declaração de tão modestos rendimentos, numa frente onde o óptimo devia ser o grande amigo do bom, fomos dos primeiros a tentar dar o benefício da dúvida, como sempre, aliás, fazemos para não sermos acusados de intolerância. “Como Partido maioritário, Partido do Governo, o MPLA, pontualizou JES, aplicou timidamente o princípio da fiscalização dos actos de gestão do Governo, quer através da Assembleia Nacional, quer pela via do Tribunal de Contas”. De facto e apesar de algum barulho feito à volta do assunto, começo por dizer que só muito parcialmente a média tem assumido as suas responsabilidades na identificação da corrupção como sendo a grande ameaça já transformada no mais duro e corrosivo obstáculo ao desenvolvimento da economia nacional. Em causa está nas nossas empíricas contas um colossal volume de recursos públicos que todos os anos e pelas mais diferentes engenharias e malabarismos, é retirado da circulação pública rumo a conhecidos endereços particulares em detrimento da sua aplicação inicialmente programada, sendo mesmo assim já essa, algumas vezes de questionável utilidade no âmbito das efectivas prioridades nacionais. (cont) Reginaldo Silva O OPSA tem vindo a alertar para a necessidade de se prestar maior atenção a factores que possam afectar a sustentabilidade do desenvolvimento e de evitar o populismo e a demagogia, que levam por vezes à definição de metas demasiado ambiciosas pelo poder político ou a reivindicações irrealistas por parte dos cidadãos. Tem alertado também para modo como são definidas as prioridades na realização dos investimentos públicos. Agora é possível concluir, sem sofismas, que foi um erro o investimento nas infra-estruturas para o CAN, pois as consequências para a economia foram desastrosas.
Um indicador importante para avaliação do desempenho da economia angolana é a sua classificação no relatório do Banco Mundial intitulado Doing Business, que influencia as decisões dos investidores, e que em 2010 continuou muito débil, ficando em 163º lugar entre 183 países, ou seja, está entre as 20 piores classificadas, muito atrás de países da SADC, como a África do Sul (34º), o Botswana (52º) e a Namíbia (69º) (World Bank, 2011). Este facto deve ser motivo de profunda reflexão. Convém reflectir sobre o que se passa com a agricultura para se entender as preocupações manifestadas sobre a sustentabilidade do nosso modelo de desenvolvimento. O crescimento do sector agrícola em 2010 foi estimado em cerca de 10%, o que corresponde aproximadamente à cifra de 10,7 % prevista. Esta realidade compromete definitivamente as ambiciosas metas traçadas pelo Executivo para 2012. Para além do irrealismo de tais metas, é necessário ponderar sobre as razões que contribuem para o modesto desempenho da agricultura angolana. E em primeiro lugar, o Executivo tem de reconhecer que a sua política agrícola não tem sido feliz. Com a queda do preço do petróleo em 2008, o Governo decidiu diversificar a economia. Uma das medidas nesse sentido foi a aprovação, em Fevereiro de 2009, de um fundo de garantia para créditos à agricultura, sendo uma parte dirigida para o financiamento de operações correntes (crédito de campanha), no montante equivalente a 150 milhões de dólares, e outra para o investimento em infra-estruturas e equipamentos no valor de 200 milhões de dólares. A primeira linha começou a ser implementada apenas em Setembro de 2010, tendo sido aprovados até ao mês de Março de 2011 créditos no valor de aproximadamente 30 milhões de dólares de que beneficiaram ou virão a beneficiar cerca de 17.000 pequenos agricultores, com uma média de pouco mais de 1700 dólares cada um, o que, sendo melhor do que nada, representa apenas cerca de 0,85% dos pequenos agricultores existentes. Além deste aspecto, o crédito de campanha, reconhecido como uma iniciativa crucial para os agricultores familiares, enferma de outros problemas que devem ser questionados. Dada a fragilidade do nosso mercado, principalmente no interior, os fornecedores locais, não suficientemente envolvidos no processo, não têm em stock as mercadorias para entrega aos agricultores; estes, na sua maioria, não possuem Bilhete de Identidade, o que não facilita a relação com os bancos; o valor máximo de US$5.000 é baixo para os agricultores de média dimensão; a presença de agências bancárias nos municípios é irrelevante. Um possível mapeamento dos beneficiários do crédito concedido poderá vir a revelar que estão provavelmente todos situados à volta das sedes provinciais e das dos principais municípios; finalmente, há um desequilíbrio de género, pois embora entre os agricultores familiares predominem mulheres, elas têm níveis de alfabetização mais baixos que os homens e estão pouco presentes nas comissões de gestão das associações e cooperativas, o que torna o acesso e a gestão de crédito mais difícil. O início da implementação da segunda linha está previsto apenas para o mês de Maio de 2011, sob coordenação do BDA, estando definidos que os projectos a financiar deverão ter um tecto máximo de 500 mil dólares. Note-se, entretanto, que o BDA não recebe desde 2009 os 5% dos rendimentos do petróleo como prevê a lei que o criou, e isso fez com que há mais de dois anos não sejam financiados projectos de desenvolvimento por aquele banco público. Do mesmo modo, e tal como o OPSA assinalou há cerca de um ano, o Programa de Comércio Rural, fundamental para o aumento da produção agrícola familiar e para o combate à pobreza nas áreas rurais, aprovado pelo Conselho de Ministros no primeiro semestre de 2009, ainda não começou a ser implementado, não estando a ser dadas explicações aos cidadãos e verificando-se que a comunicação social também não questiona a situação. Entre os investimentos de grande vulto que estão a ser feitos com recurso a empréstimos da República Popular da China encontram-se os perímetros irrigados, dado que o Governo, na linha de crescimento acelerado, acredita que a irrigação pode ser a solução para as irregularidades climáticas. Desde 2005 foram investidos cerca de 110 milhões de dólares em tais perímetros e os resultados até agora alcançados estão muito longe das expectativas. Com efeito, o investimento em regadio exige esforços complementares no desenvolvimento de estruturas e serviços adequados a uma agricultura moderna e competitiva, o que é incompatível com as fragilidades que subsistem na solução de problemas tão elementares como a fertilidade e correcção dos solos, ou o acesso a sementes de qualidade ou ainda a protecção de plantas contra pragas e doenças. Assim sendo, a produtividade das culturas praticadas é forçosamente baixa e a rentabilidade dos investimentos em regadio posta em causa. Não obstante a modéstia dos resultados obtidos, o Governo elaborou o Programa Nacional de Irrigação para cerca dos três milhões de hectares de terras dispersas por todo o território, em 25 anos, com um investimento de mais de 50 mil milhões de dólares. A facilidade com que o Governo investe em grandes projectos contrasta com as dúvidas dos investidores estrangeiros. Recorde-se que o investimento privado no sector agrícola representou apenas 2% do total do investimento privado negociado com a ANIP em 2009, por alegada falta de motivação dos investidores para canalizarem os seus interesses para a agricultura e nada permite pensar que a situação se tenha alterado em 2010. Tudo isto aponta para o questionamento da actual política agrícola e das estratégias para a sua implementação. In "REFLEXÃO DO OPSA SOBRE A EVOLUÇÃO DA SITUAÇÃO POLÍTICA, ECONÓMICA E SOCIAL EM ANGOLA DE ABRIL DE 2010 A MARÇO DE 2011" Reginaldo Silva Definitivamente as manifestações de protesto entraram para o quotidiano da nossa vida sócio-política, porque as outras, as manifestações de apoio incondicional, (estou-me a lembrar, nomeadamente, dos carnavais da vitória e dos desfiles do 1º de Maio) sempre fizeram parte dele. Isto desde que o país se tornou independente e sempre foram muito utilizadas pelo poder estabelecido.
O mesmo poder que agora está a ter dificuldades em lidar com o novo fenómeno, que em abono da verdade já não é tão novo quanto isso, embora nunca tivesse assumido o vigôr e a abrangência dos dias que correm, daí a sua "revalorização". É novo a começar pela juventude dos seus protagonistas, embora pessoas mais velhas como é o caso dos antigos militares, também tenham optado pela manifestação como forma de pressionarem quem de direito a resolver com maior celeridade, eficácia e sustentabilidade os problemas existentes. É claramente um fenómeno que tem muito mais a ver com a "sociedade civil desorganizada" do que com a oposição partidária propriamente dita cuja intervenção pública se tem limitado a realização de conferências e divulgação de comunicados. As dificuldades em lidar com o novo fenómeno são visíveis no comportamento musculado das autoridades policiais e na intervenção diabolizadora dos serviços de inteligência/comunicação social pública através de manipulações e de campanhas negativas, que muito dificilmente produzirão resultados satisfatórios. A aposta numa solução mais repressiva com a prisão temporária das lideranças também está na mesa das opções que estão a ser utilizadas neste momento. Esperemos é que a eliminação física das lideranças não volte a constar dos "manuais" que estão a ser utilizados pelos "operadores" diante desta nova onda que, em principio se vai intensificar, pois a barreira do medo, que até então era o melhor fusível que o sistema possuía, parece ter sido quebrada, o que também era de prever, mais tarde ou mais cedo. O prognóstico do "paciente manifestações" é de facto muito reservado diante das dificuldades sociais que se avolumam e se multiplicam numa cidade que está a rebentar pelas costuras e que cada vez mais vai tendo menos capacidade para responder à crescente demanda. Esta procura de equipamentos sociais que é o resultado da desertificação do interior, que corresponde a uma luandização das soluções existentes a nível nacional para problemas como a saúde, habitação, educação. É tal armadilha em que já se transformou a cidade de Luanda. Por força da estratégia eleitoralista do MPLA quanto mais o governo investir em Luanda mais gente das outras partes do país se deslocará para a capital e menos possibilidades haverá de satisfazer as necessidades dos seus não sei quantos mais milhões de habitantes. Isto, note-se, apesar de todo o investimento público que está a ser feito na capital angolana, pelo que se aconselha as autoridades a adoptarem uma outra postura, mais consentânea com a conjuntura, isto é, menos repressiva, mais inteligente e, sobretudo, mais de acordo com o espirito e a letra da nossa Constituição. Foi o que tentamos fazer na última edição do Semana em Actualidade da TPA, cientes de que à semelhança do que acontece noutros países, a governação em Angola também vai ter de coabitar com o direito das pessoas a manifestarem-se contra determinadas políticas públicas ou contra a sua ausência noutros casos ou ainda contra tudo e contra nada. Lembro-me sempre que em Portugal foi durante o mandato com maioria absoluta, que o PM José Sócrates mais manifestações de protesto teve de enfrentar. Parece já não adiantar muito acusar os jovens manifestantes disto ou daquilo, sendo a partir de agora mais importante adaptar todo o sistema a este novo desafio, começando pela "reconversão" da polícia/inteligência, com a certeza de que não será uma inflexão fácil. Tendo em conta o "controlo político" que o partido da situação diz possuir sobre a caótica capital angolana, as coisas, aparentemente, estão muito mais facilitadas para o Governo que de facto vai ter de aprender a gerir o país sob uma pressão social crescente, tendo pela frente várias oposições. A oposição da rua é a nova estrela da companhia. Reginaldo Silva A Casa dos Ídolos voltou a dar-nos notícias boas e "revoltantes", com o adiamento (sine die) da aprovação das propostas legislativas com que o Governo pretende regulamentar/controlar/reprimir a utilização das TICs e da tal de "Sociedade de Informação". Sempre a subir!
Para quem até muito recentemente não dava a mínima importância (prioridade) para este sector, tendo em conta a situação de info-exclusão em que a esmagadora maioria dos angolanos vive, esta urgência(urgente) do Executivo em fazer aprovar legislação (toda copiada de outras realidades) é sintomática de preocupações mais profundas (estratégicas) de caracter político e que têm a ver com a necessidade (curto prazo) de atacar e tentar destruir o espaço de liberdade de expressão/opinião/crítica que é hoje a Internet. O agressivo discurso que JES fez na passada quinta-feira, aponta claramente nessa direcção, sendo o conteúdo (parcial) da proposta de lei das TIC/Sociedade de Informação uma clara e inequívoca tradução do desejo do titular único do poder executivo de "pôr ordem no circo". Uma ordem que é, contudo, abertamente inconstitucional em obediência aos ditâmes de um estado policial, que a nossa Lei Fundamental não consagra, mas que a praxis governamental/administrativa nos impõe diariamente. Felizmente que já nem todos no MPLA pensam da mesma forma (aliás nunca pensaram), havendo nesta altura, com os ventos do norte, uma tendência mais acentuada para o aprofundamento do debate e o confronto de ideias que tem estado a produzir bons resultados no âmbito da democratização interna do partido no poder, um processo que tem conhecido mais recuos do que avanços. De notar que o grande problema no seio do EME nunca foi pensar diferente, mas sim assumir até as últimas consequências (em público) esta diferença, sobretudo quando em causa estão os interesses da cúpula e muito particularmente da sua liderança suprema. Marcolino Moco é nesta altura a referência (ainda solitária) mais luminosa deste tipo de ruptura, que vai continuar a acontecer, a não ser que o país regrida para a ditadura democrática revolucionária, uma possibilidade que JES pôs de lado, na referência que fez ao assunto, no famoso discurso do 14 de Abril e que quanto a nós foi efectivamente a nota mais positiva da polémica intervenção. Em nosso entender o "congelamento" do pacote das TICs ontem decidido pelo Parlamento é mais um sinal desta abertura que tem uma velocidade dificil de avaliar, pois nem sempre a mesma, tem uma orientação "geográfica" definida. Ou seja, nunca se sabe exactamente para aonde é que a liderança do M pretende orientar os seus milhões de adeptos. Por exemplo nesta altura voltou a falar-se em esquerdas e socialismos, mas a prática do Executivo é absolutamente dissonante desta orientação, nomeadamente ao nível da gestão da coisa pública, com a continuada transferência a custo zero, para o domínio privado, de impressionantes riquezas patrimoniais (terra), mas não só. Os parlamentares do MPLA decidiram assim pensar (reflectir) melhor no conteúdo das duas propostas que integram o pacote das TICs na perspectiva da salvaguarda das garantias dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. É preciso de facto olhar para o seu articulado com as atenções voltadas para o respeito da Constituição e a sua consequente conformação de jure com os pilares do Estado Democrático e de Direito, que efectivamente não têm nada a ver com o estado policial que está bem patente (é transversal) nas páginas das propostas que estão em discussão. Reginaldo Silva O grupo parlamentar do MPLA não acatou parte das alterações sugeridas pelo Executivo que deveriam ser introduzidas no novo diploma sobre o investimento privado que vai ser discutido pela Assembleia Nacional.
Mais concretamente, soube-se que a maka levantada pelos parlamentares do M tem a ver com o limite mínimo do montante que deve ser considerado para efeitos de investimento privado. A nova proposta considera que um milhão de dólares deve ser o tecto mínimo, enquanto que na lei em vigôr este limite está fixado nos 250 mil dólares. Ao que julgamos saber, a subida desta fasquia desagradou profundamente muitos dos deputados que acharam que esta alteração não favorece os interesses dos pequenos investidores nacionais, que deste modo ficarão afastados dos incentivos/benefícios que a lei do investimento privado prevê para estimular e atrair novos capitais. O tom dos debates foi bastante acalorado e chegou mesmo a verificar-se um choque aberto com a orientação superior, com um dos deputados mais jovens do grupo a destacar-se entre os contestários, pela qualidade dos seus argumentos particularmente acutilantes. Até que ponto esta "revolta" será reflectida na proposta que vai ser submetida à plenária é o que ficaremos a saber nas próximas horas, caso o diploma não seja retirado para novas consultas, de modos a configurar as pretensões manifestadas esta semana pelo GP do MPLA. * Título de uma peça de teatro escrita por Pepetela em 78 e publicada em 1979. A Revolta da Casa dos Ídolos conta um episódio de uma Revolta no Reino do Congo. Num breve resumo, podemos dizer que Pepetela encena um episódio relativo à História de Angola do tempo da primeira colonização (séc. XVI), para aludir subrepticiamente à época em que vive. Assim, a peça trata de uma revolta popular contra os padres portugueses e os seus aliados Manicongos (chefes do Reino do Congo) que resolveram proibir o culto animista dos fetiches (os «ídolos»), guardando-os numa casa, afinal um pretexto para a contestação do poder dos dirigentes do Reino. Um jovem ex-Mani, agora ao lado do povo, dirige a revolta, que falha, sendo morto. Era tudo quanto o autor sabia sobre essa revolta. Mas Pepetela queria escrever sobre este tema, e diz-nos porquê:"Eu achava a história importante, pelo conflito ideológico, pela imposição da religião, pelas consequências no sistema de poder no Congo onde a partir dessa influência religiosa os filhos passam a suceder aos pais, ao invés dos sobrinhos como era prática tradicional no Reino do Congo. (Internet) Reginaldo Silva O barco americano (Maersk Constellation-MC) que esteve retido no Porto do Lobito por duas semanas foi o segundo tópico do debate deste domingo no Semana em Actualidade.
A tentativa do MPLA, através do seu principal porta-voz de serviço, RFPA, de relacionar os contentores de munições que o MC carregava a bordo e que estiveram na origem da bronca com as autoridades portuárias do Lobito, com a situação política em Angola a apontar para uma possível ingerência norte-americana em Angola, pareceu-me ser excessiva e mesmo algo provocatória. Foi o aspecto politicamente mais sensível do caso, a traduzir o momento menos bom que as relações entre Luanda e Washington estão a atravessar, depois da maka do encerramento das contas bancárias da embaixada/ANIP, a que podem estar associados outros elementos ainda encobertos, mas que já começaram a alimentar alguma literatura nos corredores do poder angolano, com destaque para o texto que José Mena Abrantes publicou recentemente, sob o título "A Revolução Rosa de Porcelana e as Marionetas". É estranho que o nível das relações bilaterais que parecia já ter atingido a sua velocidade de cruzeiro, depois de todas as turbulências anteriores, não tenha conseguido fazer face, com um outro desempenho, a este contra-tempo, que aparentemente não tem nada de extraordinário. A administração Obama mostrou-se disponível, dentro das suas possibilidades, para junto de quem de direito ajudar a resolver o bloqueio que foi imposto pela banca comercial estadunidense a todos os dinheiros provenientes de Angola, por alegada falta de transparência com que se movimentam os dinheiros públicos entre nós. Voltando ao caso do navio, soube-se que os primeiros contactos para a solução do caso foram bastante tensos, com a parte angolana a acusar efectivamente os representantes dos Estados Unidos de tentarem enganar as autoridades portuárias, com propósitos inconfessos. Felizmente para o relacionamento bilateral que os ânimos se acalmaram e que prevaleceu o bom senso depois dos esclarecimentos prestados pelo armador do navio, que nunca foi ouvido pela imprensa. Ao que julgamos saber a sua versão dos factos é diferente daquela que foi veiculada pelas autoridades portuárias do Lobito e retomada pelo comunicado do Ministério das Relações Exteriores (MIREX). A possibilidade da Maersk vir a ser processada em tribunal, conforme ficou explícito nas ameaçadoras “alegações finais” deste primeiro round, seria uma boa oportunidade do caso ser definitivamente esclarecido a bem da verdade, tendo como referência a aplicação dos princípios do contraditório e da igualdade de circunstâncias no tratamento das partes em conflito. Ao que consta e como nota de roda-pé, com este mini-braço de ferro ocorrido no Lobito, as autoridades angolanas quiseram enviar uma mensagem muito específica ao "amigo americano". Tendo em conta a sua quase ilimitada capacidade/poder de influenciar tudo e todos, o executivo angolano não entende (ou não quer entender) que um governo não possa resolver um determinado problema por mais complicado que ele seja. A não ser, que esse governo não esteja realmente interessado em fazê-lo. Este tipo de abordagem já se tinha verificado com a França, por ocasião do caso Pierre Falcone. Na altura tal, como está a acontecer agora com o indigitado embaixador norte-americano, também o francês ficou na "bicha" da acreditação longos meses, a tal ponto que Paris chegou a encarar a possibilidade de repatriá-lo. Reginaldo Silva |